Reforma Tributária: Necessidade de uma Nova Governança Tributária Equilibrada e Transparente 

Introdução: Rumo a uma Nova Governança Tributária no Brasil

O sistema tributário brasileiro enfrenta grandes desafios que apontam para a necessidade de uma revisão na sua estrutura e funcionamento. Entre esses desafios, destaca-se o crescimento alarmante do contencioso tributário, que evidencia as falhas e fragilidades do atual modelo de governança tributária, que até o momento não vem sendo objeto de qualquer abordagem nas discussões da Reforma Tributária em curso. 

O ponto principal que tem passado sem qualquer discussão na hipertrofia do contencioso é a concentração excessiva de poder nas mãos do órgão arrecadador e de seus agentes, fugindo completamente da busca por uma governança tributária equilibrada e transparente, desafiando os princípios democráticos, criando um ambiente propício em alguns caso até mesmo para a arbitrariedade. 

Diante desse cenário é importante adotar uma abordagem fundamentada nos princípios da teoria dos freios e contrapesos, com o objetivo de propor a distribuição dos poderes até então concentrados, para que eles possam ser distribuídos de forma mais equitativa e transparente. Essa distribuição de poderes é essencial para garantir a prometida simplificação da Reforma Tributária, além do equilíbrio e a accountability na governança tributária. 

Além disso, é essencial limitar o poder do fisco, promovendo uma governança tributária mais equilibrada e compatível com os princípios democráticos que são base para o exercício da cidadania fiscal. A limitação desse poder é fundamental para evitar abusos e garantir a proteção dos direitos dos contribuintes. 

Por fim, a accountability na governança tributária, tanto na vertical quanto na horizontal, desempenha um papel de grande importância na promoção da transparência e responsabilidade na administração dos tributos. É necessário fortalecer os mecanismos de prestação de contas e fiscalização, envolvendo não apenas os órgãos de controle internos, mas também a sociedade civil e os diversos atores do setor privado. 

Neste contexto, essa avaliação tem por objetivo apresentar as principais questões relacionadas à necessidade de uma nova governança tributária equilibrada e transparente no Brasil, as possíveis soluções e os benefícios de uma abordagem mais democrática e participativa na especialização e divisão de atividades atípicas pelo órgão de arrecadação, preservando sobretudo a  cidadania fiscal.

O Crescimento Alarmante do Contencioso Tributário no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um crescimento alarmante do contencioso tributário, representando uma preocupação significativa para a economia do país. De acordo com dados do Observatório do Contencioso Tributário, vinculado ao Núcleo de Tributação do Insper, essa tendência de aumento do contencioso tem se mostrado cada vez mais evidente. 

Uma pesquisa detalhada realizada pelo Observatório revelou que, em 2018, o contencioso tributário atingiu uma marca impressionante, representando 73% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Esse número, por si só, já evidencia a magnitude do problema e seus impactos na economia nacional. 

No entanto, a situação se agravou ainda mais no ano seguinte, com a segunda edição do Relatório Contencioso Tributário no Brasil, referente ao ano de 2019. Nessa ocasião, o contencioso tributário brasileiro atingiu a cifra alarmante de R$ 5,44 trilhões, equivalente a 75% do PIB. Esse aumento exponencial é motivo de grande preocupação, pois reflete não apenas a complexidade do sistema tributário brasileiro, mas também a falta de eficiência e transparência na sua aplicação. 

Além disso, ao comparar o contencioso tributário administrativo da União (Federal) com o de outros países, como os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e países da América Latina, observa-se uma disparidade alarmante. Enquanto o contencioso tributário administrativo da União representa 15,9% do PIB brasileiro, nos países da OCDE esse percentual é de apenas 0,28%, e na América Latina, 0,19%. 

Essa disparidade revela não apenas uma questão de volume, mas também de eficiência e eficácia do sistema tributário brasileiro. A alta proporção de litígios tributários sugere a existência de uma série de problemas estruturais, como a complexidade excessiva da legislação tributária, a falta de clareza nas normas e a deficiência na estrutura de órgãos que estão dando as cartas na questão dos tributos. 

Diante desse cenário preocupante, torna-se essencial repensar a governança tributária no Brasil e buscar soluções eficazes para reduzir o contencioso tributário. Não adianta tentar simplificar as leis se quem as executa tem o poder de através do órgão arrecadador e seus agentes pode fiscalizar, legislar de forma complementar e julgar os litígios decorrente dessa situação.

Concentração Excessiva de Poder: Desafios na Governança Tributária Brasileira

Uma das questões mais importantes no debate sobre a governança tributária no Brasil é a concentração excessiva de poder nas mãos do órgão arrecadador, o que tem gerado disparidades significativas e um aumento vertiginoso no contencioso tributário. Essa concentração de atribuições em um único órgão estatal não apenas desequilibra as relações entre o Estado e os contribuintes, mas também compromete a eficácia e a imparcialidade do sistema tributário como um todo. 

No contexto brasileiro, o órgão responsável pela arrecadação de tributos não se limita apenas a essa função básica de arrecadas. Ele também exerce um papel regulamentador por meio da emissão de instruções normativas e portarias, além destacar membros dessa mesma equipe ou categoria de servidores para julgar litígios tributários nos órgãos administrativos de julgamento, como juntas, câmaras e turmas administrativas que julgam os tributos. Essa sobreposição de funções confere ao órgão arrecadador um poder desproporcional e, por vezes, conflitante, que pode resultar em decisões arbitrárias e prejudiciais aos contribuintes. 

A questão central reside na falta de separação de poderes dentro do próprio órgão arrecadador e do exercício pelos auditores-fiscais como membros daquele órgão no exercício dessas outras funções atípicas de legislar de forma regulamentar e de julgar os litígios tributários administrativos. Ao concentrar tanto a função arrecadadora quanto a regulamentadora e julgadora, o Estado acaba por criar um ambiente propício para a imposição de vontade contrariando o ambiente democrático. Afinal, os mesmos agentes públicos que aplicam as normas tributárias também estão envolvidos na elaboração de normas para regulamentar/interpretar e, também, julgar os litígios decorrentes, o que compromete a imparcialidade e a transparência do processo. 

Para mitigar os efeitos negativos dessa concentração excessiva de poder, faz-se necessária uma reestruturação das atribuições do órgão arrecadador. Em vez de acumular todas as funções relacionadas à arrecadação, regulamentação e julgamento tributário, seria mais adequado distribuir essas responsabilidades entre diferentes órgãos especializados, garantindo assim uma maior independência e imparcialidade na condução dos processos para garantir a limitação ao poder de tributar. 

Uma abordagem mais alinhada com as competências constitucionais estabelecidas seria a de promover uma verdadeira separação de poderes no âmbito do sistema tributário. Isso implicaria na criação de órgãos independentes e especializados para cada uma das funções tributárias atípicas, como regulamentação/interpretação e julgamento. Essa repartição de atribuições garantiria uma maior accountability e uma prestação de contas mais efetiva por parte do Estado, além de reduzir os conflitos de interesse e os riscos de abusos de poder dentro da estrutura estatal. 

Em última análise, a concentração excessiva de poder no órgão arrecadador representa o maior desafio da Reforma Tributária na busca de uma propagada simplificação. Para superar esse desafio, é fundamental promover uma reestruturação das atribuições e competências dentro do sistema tributário, buscando uma maior separação de poderes e uma distribuição mais equilibrada das responsabilidades com a criação de novos órgãos específicos para desempenhar pelo menos duas delas: regulamentação/interpretação e julgamento. Somente assim será possível garantir uma governança tributária mais eficiente, transparente e justa, que promova o desenvolvimento econômico e social do país. 

Teoria dos Freios e Contrapesos na Governança Tributária: Distribuindo Poderes para Garantir Equilíbrio e Transparência

O debate sobre a governança tributária no Brasil tem enfatizado a necessidade de reestruturar as funções estatais relacionadas à arrecadação de tributos, adotando uma abordagem fundamentada na teoria dos freios e contrapesos. 

Atualmente, as funções atípicas do Poder Executivo, exercidas pelo órgão arrecadador de tributos, concentram-se em um único ente, onde os auditores-fiscais detêm poderes para legislar por meio de normas regulamentadoras/interpretativas, julgar em juntas e câmaras administrativas de julgamento, além de executar a arrecadação. Essa concentração excessiva de poder pode gerar distorções, abusos e falta de transparência, prejudicando o equilíbrio do sistema tributário, o ambiente de negócios e a segurança jurídica dos contribuintes. 

Nesse contexto, a teoria dos freios e contrapesos sugere que é fundamental redistribuir essas atribuições entre diferentes órgãos especializados para esse fim e instâncias do Estado, garantindo um equilíbrio de poderes e uma maior accountability no processo de arrecadação de tributos. Inspirada nessa abordagem, propõe-se que as funções regulamentadoras, julgadoras e arrecadatórias sejam separadas mediante a criação de novas estruturas especializadas de entidades governamentais, evitando a centralização excessiva em um único órgão. 

Assim como preconizado por Montesquieu, a separação de poderes é essencial para evitar abusos e garantir a harmonia. Ao descentralizar as funções relacionadas à arrecadação de tributos, cria-se um sistema de freios e contrapesos que permite o controle mútuo entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. 

Por exemplo, ao separar a função de legislar sobre questões tributárias do órgão arrecadador e atribuí-la a um órgão específico com participação do Poder Legislativo, garante-se uma maior representatividade democrática na elaboração das normas fiscais. Da mesma forma, ao transferir a função de julgar litígios tributários para tribunais administrativos independentes, assegura-se uma maior imparcialidade e independência no processo de resolução de conflitos. 

Vimos, por exemplo, nos últimos anos o Governo Federal transformar o CARF em um ambiente de conflito alterando seu regimento por decreto e incluindo uma série de regras para facilitar a prevalência do seu viés arrecadador. 

Isso se contrapõe, por exemplo, ao que acontece nos Estados Unidos onde algumas dessas atribuições atípicas de regulamentar e julgar foram retiradas do órgão de arrecadação para ficar sob a responsabilidade do Departamento de Estado, e através dele o Estado consegue impor uma diretriz e não se torna refém da burocracia do órgão arrecadador, que muitas vezes defende interesses próprios e corporativos em detrimento de interesses do Estado e da cidadania fiscal.  

Portanto, a adoção da teoria dos freios e contrapesos na governança tributária brasileira é fundamental para promover um sistema tributário mais justo, transparente e eficiente, alinhado aos princípios do Estado Democrático de Direito e ao bem-estar da sociedade como um todo. 

Limitação do Poder do Fisco: Rumo a uma Governança Tributária Equilibrada

A concentração de poderes no órgão arrecadador tem sido uma preocupação recorrente na discussão sobre a governança tributária no Brasil. A falta de limites claros para as atividades atípicas do fisco, como legislar por meio de normas infralegais e julgar em instâncias administrativas, tem contribuído para a hipertrofia do contencioso tributário e para a falta de transparência no sistema. 

Uma proposta em discussão, liderada por um grupo de parlamentares, tem por objetivo limitar o poder do fisco de legislar por meio de normas infralegais. A ideia central até o momento é que os textos tributários sejam deliberados e aprovados pelo Congresso Nacional sem depender de regulamentações posteriores por parte do fisco. Isso garantiria uma maior transparência e accountability no processo legislativo tributário, permitindo que os contribuintes tenham clareza sobre as regras que regem suas obrigações fiscais. 

Essa medida, embora desafiadora, representa um passo importante rumo a uma governança tributária mais equilibrada e justa. Ao limitar o poder do fisco de legislar, o poder legislativo retoma sua função primordial de representar os interesses da sociedade e de estabelecer as regras que regem a tributação. Isso fortalece a democracia e a participação cidadã no processo legislativo, garantindo que as leis tributárias sejam elaboradas de forma transparente e democrática. 

Todavia, entendemos que o caminho mais seguro seria separar claramente as funções legislativas e de julgamento dos litígios do fisco em estruturas administrativas especializadas próprias. Isso representa um sistema de freios e contrapesos que contribui para evitar abusos e excessos por parte do poder executivo. Os auditores-fiscais, ao se concentrarem exclusivamente nas atividades de arrecadação, podem desempenhar melhor seu papel de fiscalização e cobrança de tributos, sem o viés de influenciar na elaboração das leis fiscais ou de tentar influenciar o Poder Judiciário através dos julgamentos nos litígios administrativos. 

No entanto, é importante ressaltar que a implementação dessa medida requer um amplo debate e articulação política, uma vez que envolve mudanças significativas no processo legislativo tributário e nas atribuições do fisco. É fundamental que seja abordado esse tema e que ele seja visto como um dos maiores causadores da hipertrofia do contencioso brasileiro, e que o seu enfrentamento se faz necessário para alcançar a tão propagada simplificação do sistema tributário brasileiro. 

Em suma, a limitação do poder do fisco de legislar por meio de normas infralegais e de julgar nos órgãos administrativos é uma medida essencial para promover uma governança tributária mais equilibrada, transparente e democrática no Brasil. Ao fortalecer o papel do legislativo e garantir uma maior separação de poderes, contribui-se para a construção de um sistema tributário mais eficiente e capaz de atender às necessidades da cidadania fiscal. 

Accountability na Governança Tributária: Vertical e Horizontal

No contexto da governança tributária, a accountability desempenha um papel crucial na garantia da transparência, responsabilidade e eficiência na administração dos tributos. A accountability pode ser entendida em duas dimensões: vertical e horizontal, cada uma desempenhando um papel distinto na supervisão e no controle das atividades relacionadas à arrecadação e gestão tributária. 

Na dimensão vertical da accountability, os cidadãos exercem seu poder de premiar ou punir os governantes e representantes por meio de mecanismos como eleições livres e diretas. No caso da governança tributária, os contribuintes têm o direito e o dever de influenciar as políticas fiscais por meio do voto e da participação política. Os eleitores podem expressar sua aprovação ou descontentamento em relação às políticas tributárias durante as eleições, o que influencia diretamente nas decisões dos governantes e legisladores. 

Por outro lado, a accountability horizontal se refere à fiscalização e controle das atividades públicas dentro do próprio Estado. Isso inclui a supervisão exercida por órgãos governamentais especializados, como as agências reguladoras e os tribunais de contas, que têm o poder e a autoridade para avaliar e punir agentes públicos em caso de irregularidades ou má gestão. Na governança tributária, a accountability horizontal pode ser fortalecida pela criação de órgãos específicos, como um tribunal administrativo desvinculado da carreira de auditor-fiscal, com um plano de carreira próprio e autonomia para julgar questões tributárias de forma imparcial e independente. 

Além disso, é essencial estabelecer um órgão responsável pela atribuição atípica de legislar, separado da estrutura do órgão arrecadador. Esse órgão, com poder regulamentar, deve seguir as diretrizes e políticas do Estado como um todo, em vez de priorizar os interesses específicos do órgão arrecadador. Isso garantirá uma abordagem mais equilibrada e justa na regulamentação e julgamento das normas tributárias, contribuindo para a simplificação, diminuição do contencioso e eficiência do sistema tributário. 

É fundamental compreender que uma das principais diretrizes da Reforma Tributária é a simplificação, mas pensamos que isso somente será alcançado se forem abordadas as causas subjacentes da hipertrofia do poder exercido pelo órgão arrecadador. Ao fortalecer os mecanismos de accountability horizontal, por meio da criação de órgãos independentes e da separação das funções atípicas de legislar/regulamentar e julgar administrativamente da de arrecadar, será possível promover uma governança tributária mais transparente, em linha com os princípios democráticos e os objetivos da Reforma Tributária.

Conclusão: Rumo a uma Governança Tributária Equilibrada e Transparente

A revisão e reformulação da governança tributária no Brasil representam um desafio necessáriol, que demanda a participação ativa e colaborativa de todos os setores envolvidos. Diante das questões levantadas sobre a concentração excessiva de poder no órgão arrecadador e os desafios decorrentes da falta de accountability horizontal, torna-se evidente a necessidade de uma mudança significativa no atual modelo. 

A ampliação da accountability horizontal na governança tributária pode ser alcançada por meio de diversas medidas concretas. Uma delas é a criação de órgãos especializados, como tribunais administrativos independentes, desvinculados da carreira de auditor-fiscal, e dotados de autonomia para julgar questões tributárias de forma imparcial e transparente. Além disso, a separação das funções de legislar/regulamentar e arrecadar, com a criação de um órgão específico para o exercício do poder regulamentar, também se mostra fundamental para garantir uma abordagem equilibrada na elaboração de normas regulamentares tributárias. 

A implementação dessas medidas não apenas fortalecerá a transparência e a responsabilidade na administração dos tributos, mas também contribuirá para a simplificação e eficiência do sistema tributário como um todo. Ao seguir as diretrizes democráticas norte-americanas e garantir a participação ativa do setor privado, podemos promover uma reforma tributária verdadeiramente inclusiva e orientada para o desenvolvimento econômico e social do país. 

É importante ressaltar que o sucesso dessa empreitada depende do engajamento e colaboração de todos os atores envolvidos, incluindo o governo, o setor privado, a sociedade civil e os órgãos de controle. Não podemos compreender momento mais propício para fazer isso que o atual onde estamos discutindo a Reforma Tributária e os mecanismos de simplificação desse sistema.

Dr. Júlio N. Nogueira
Advogado
OAB/BA 14.470