Sem meias palavras, todo morto precisa de um inventário. Mas, o que é um inventário? Para que serve? O inventário é a forma de regularizar os direitos e obrigações deixadas pela pessoa que veio a óbito e é dever dos herdeiros dar entrada no referido procedimento, até porque, sem ele, não é possível a transferência dos bens deixados pelo(a) falecido(a). A lei prevê que o inventário se dê em até 60 (sessenta) dias após a abertura da sucessão, isto é, o falecimento, ultrapassado este prazo existe a possibilidade de aplicação de multa que vai depender do valor dos bens deixados.
Durante a faculdade de Direito, nós advogados descobrimos que o processo judicial de inventário é um dos mais duradouros e lentos, chegando ao cúmulo de ficar 10 (dez) a 20 (vinte) anos nos cartórios sem previsão de término, por este motivo, a Lei nº.11.441/07, quando promulgada, veio como um sopro de felicidade para nós advogados, que trabalhamos nesse ramo, e para quem precisa regularizar a sucessão e ter acesso aos bens deixados pelo parente falecido.
A referida lei desburocratizou o procedimento de inventário ao permitir a realização desse ato em cartório extrajudicial, por meio de escritura pública, de forma rápida, simples e segura. No entanto, há requisitos: todos os herdeiros devem ser maiores de idade e capazes e, principalmente, devem estar em comum acordo em relação a partilha. O procedimento demanda a presença de advogado e ainda exige muitos documentos, porém, após o preenchimento de todos os requisitos e pagamento dos tributos, pode ser facilmente finalizado, muito diferente das décadas que poderiam passar descansando nas mesas dos servidores!
A regulamentação, entretanto, ainda exigia que o falecido(a) não tivesse deixado, em vida, testamento. O testamento, como as novelas e filmes ensinam aos telespectadores leigos, é um documento pelo qual uma pessoa, antes de morrer, pode redistribuir seus bens entre os possíveis herdeiros. Utilizando uma licença “poética”, típica em folhetins, é quando, no auge de uma cena da novela das oito, a esposa ricaça descobre que o falecido marido, com quem viveu por mais de 30 (trinta) anos, a deixou na absoluta miséria, deixando todos os seus bens para a amante novinha. Dramatizações à parte, o direito brasileiro não deixa que tal situação seja, de fato, possível.
É que, de acordo com a lei, uma pessoa pode sim realizar um plano de partilha anterior a sua morte. Ou seja, é possível elaborar um testamento no qual, a última vontade do morto seja respeitada. No entanto, considerando que há uma cadeia sucessória definida por lei, isto é, considerando que uma pessoa tenha deixado em vida parentes consanguíneos, esses não podem ser excluídos da partilha sem um motivo extremamente importante, como, por exemplo, ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com a madrasta ou padrasto, cônjuges ou companheiros de filhos ou netos.
Caso não ocorra nenhuma dessas situações ou outras tão graves quanto, em um testamento, uma pessoa só poderá dispor, isto é, redistribuir seus bens, até determinado limite. Toda pessoa pode, por quaisquer motivos, redistribuir 50% (cinquenta por cento) dos seus bens a seu bel prazer. Ou seja, mesmo que você tenha uma família, com herdeiros necessários, você pode, se quiser, deixar 50% (cinquenta por cento) de todo o seu patrimônio para apenas um dos seus herdeiros, ou para uma instituição de caridade ou, ainda, para uma pessoa completamente distinta, fora da sua família, mas que você tenha bastante estima e consideração. Os outros 50% (cinquenta por cento), invariavelmente, deverão ser distribuídos perante os seus herdeiros necessários, ou seja, que estão em sua cadeia sucessória.
A inexistência de testamento era um dos requisitos para realização de um inventário extrajudicial, todavia, essa exigência foi definitivamente dispensada em julgamento ocorrido no dia 23/08/2022, pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no qual o Colegiado sedimentou entendimento que já vinha sendo discutido naquela corte desde o ano de 2019.
Nessa recente decisão, o STJ reconheceu, em definitivo, o cabimento de inventário extrajudicial, mesmo quando existir testamento redistribuindo os bens, desde que o referido instrumento já tenha sido chancelado judicialmente. O chancelamento é uma mera validação, desta forma, não demanda nem o terço do tempo que um inventário judicial poderia levar em cartórios judiciais, por isso, a decisão é sim um grande avanço para os advogados e para as partes.
Nós do NSA ficamos extremamente felizes pelo significativo avanço da jurisprudência brasileira, diminuindo as formalidades sobre o tema e facilitando o exercício de direitos.