Reforma Tributária – Descomplicando o Relatório que vai para Votação no Plenário da Câmara nos Próximos Dias

Vou aqui descomplicar para você o parecer da reforma tributária apresentado na noite da quinta-feira (22/6). Nele há três “faixas” de tributação para os novos tributos: alíquota cheia, alíquota de 50% e isenção. São previstos regimes diferenciados, entre outros, aos produtos da cesta básica, à saúde e à educação.

O novo tributo será criado nos moldes de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Conforme esperado, é prevista a criação de um IVA dual. Assim, é proposta a criação de dois IVAs: um IVA federal, chamado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com a junção do IPI, PIS e Cofins; e um IVA subnacional, denominado Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), reunindo o ISS e o ICMS.

Para conter o temor dos estados com a possibilidade de queda de arrecadação, foram criados dois fundos, voltados ao desenvolvimento regional e à compensação de perdas com o fim dos benefícios de ICMS. Os fundos terão aportes feitos exclusivamente pela União.

O texto foi apresentado nesta quinta pelo relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que deixou claro que podem haver mudanças futuramente. A previsão é de votação da reforma pela Câmara até 7 de julho.

Leia abaixo os principais pontos do parecer:

Alíquotas diferenciadas

O relatório preliminar traz três “faixas” de alíquota: a alíquota cheia, a alíquota a 50% e a alíquota zero. De acordo com o texto, são oito hipóteses de setores e produtos sujeitos a uma alíquota de 50% do IVA dual, incluídos os itens da cesta básica, saúde e educação. A regulamentação, entretanto, será feita por lei complementar.

O percentual de 50% poderá ser adotado por: serviços de educação; serviços de saúde; dispositivos médicos; medicamentos; serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano; produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal a que se refere o art. 1º da Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004, com a redação vigente em 30 de abril de 2023; e atividades artísticas e culturais nacionais.

Em relação à cesta básica, prevista na Lei 10.925, o relator salientou que a legislação brasileira prevê uma lista extensa de produtos: cerca de 1380.

Já a isenção ou a redução a zero da alíquota poderá ser aplicada em duas situações, de acordo com o texto. Entram nessa categoria as instituições de ensino do Programa Universidade para Todos (Prouni) e as empresas beneficiadas pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

O texto prevê também que poderão optar por não serem contribuintes do tributo único os produtores rurais pessoa física que obtiverem receita anual inferior a R$ 2 milhões. De acordo com o relator Aguinaldo Ribeiro, o corte abrange mais de 98% dos produtores rurais brasileiros.

Ainda, o parecer permite a isenção a serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano e a redução a zero da alíquota incidente sobre alguns medicamentos. O relator citou a hipótese de não tributação dos medicamentos voltados ao tratamento de câncer.

Na nossa opinião a possibilidade de instituição de três alíquotas é uma novidade em relação às diretrizes divulgadas em 6 de junho, quando foi disponibilizado o parecer do Grupo de Trabalho da reforma. A seu ver, essa definição é importante por considerar a essencialidade de alguns setores. Há mais de 90 países que possuem um IVA diferenciam as alíquotas para serviços essenciais. Ainda assim, consideramos que uma redução de 50% não deve ser suficiente para serviços como o de educação básica.

No caso ao aplicar a redução de 100% na alíquota, essa medida não abarca a educação básica. Além disso, embora contemple o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), ela tem uma limitação temporal, até 28 de fevereiro de 2027.

Resta claro então que essa diferenciação nas alíquotas é positiva, mas ainda não é suficiente porque há setores que provavelmente permanecerão com carga tributária elevada, mesmo sendo essenciais, como o da educação básica.

O ideal é que fossem pelo menos cinco alíquotas, já que a proposta prevê um engessamento sobre esse tema na Constituição.

A proposta, por exemplo, poderia definir alíquota diferenciada para o setor de sociedades profissionais, por exemplo. Esse segmento inclui médicos, dentistas, engenheiros e arquitetos, entre outros. No caso a tributação sobre esse setor pode passar dos atuais 3,65% para até 30% com o IVA.

Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

O fundo tem por objetivo reduzir as desigualdades regionais. Os valores aportados, de acordo com o parecer, serão aplicados em obras de infraestrutura; fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras; e ações voltadas ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação.

Os aportes de recursos ao fundo serão feitos exclusivamente pela União. Nesta quinta, o relator salientou que o fato resultou de negociações com o Executivo, informando que no passado esse foi o grande impeditivo de a reforma tributária andar.

Os aportes se iniciarão com R$ 8 bilhões anuais a partir de 2029, chegando a R$ 40 bilhões a partir de 2033. O valor continuará o mesmo a partir de então, com correção pelo IPCA-E.

Transição

O texto prevê a transição dos atuais tributos para os novos em oito anos, da seguinte forma:

Em 2026 serão extintos o PIS e a Cofins, e a alíquota do IPI será reduzida a zero, com exceção da Zona Franca de Manaus. Concomitantemente, a CBS será cobrada a uma alíquota de 1%. A alíquota “cheia” da contribuição será cobrada a partir de 2027.

Entre 2029 e 2032 haverá a entrada proporcional do IBS, ao mesmo tempo que serão extintos o ICMS e o ISS.

Em 2033 será extinto totalmente o sistema atual, com a entrada em vigor do novo sistema. O prazo bate com o fim do Fundo de Compensação de Perdas.

No caso entendemos que é positiva a manutenção de um período de teste de um ano para a CBS, com a alíquota de 1%, que permite medir o potencial arrecadatório do novo tributo. A ideia original da PEC 45 era que esse período fosse de dois anos, mas isso havia sido retirado do texto substitutivo anterior, que trazia apenas uma transição para o IBS, mas não para a CBS. Na nossa avaliação o ideal seria que a transição para o CBS fosse mais longa e também houvesse uma redução gradual do tributo federal, pois é bom haver um período de teste para a alíquota do IVA federal, mas a transição deveria ser em um período maior. Empresas que estão no lucro presumido, por exemplo, pagam hoje PIS e Cofins à alíquota de 3,65%. Nessa mudança, estima-se que a tributação federal dessas empresas ficará entre 9% e 12%. Ou seja, repentinamente, elas terão aumento elevado em sua carga tributária. Então, o ideal seria aplicar, também para a parcela federal, a transição gradual prevista para o IBS.

Transição federativa

A transação entre o recolhimento do tributo no local de origem do bem ou serviço para o local de destino, de acordo com o substitutivo, se dará em 50 anos, de 2029 a 2078. Segundo o relator, esse é um tema que ainda está em discussão, e não há consenso entre os estados. Alguns queriam um período menor, e outros uma transição maior.

Imposto Seletivo

Há a previsão de cobrança de um imposto seletivo sobre “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”. Não haverá, entretanto, cobrança do tributo nas exportações.

O relator optou por não explicitar, no texto da PEC, quais bens ou serviços estariam sujeitos ao imposto. Essa regulamentação será feita por lei complementar.

No caso entendemos que a opção foi positiva, pois não é adequado listar os produtos submetidos ao seletivo na Constituição.

Creditamento

Embora a proposta seja de creditamento amplo, especialistas apontam que o parecer trouxe um limitador ao direito dos contribuintes. O parecer traz a previsão de que a lei complementar disporá sobre o regime de compensação e que poderá “estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto incidente sobre a operação”.

Nesse aspecto entendemos que condicionar esse creditamento à verificação do recolhimento do imposto na etapa anterior impõe a transferência do ônus de fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias do Estado para os contribuintes e pode dificultar a tomada de créditos.

Cashback

O substitutivo prevê a possibilidade de devolução do imposto pago por famílias de baixa renda, mas deixa a regulamentação para uma futura lei complementar. Não consta no texto, por exemplo, como serão definidos os beneficiários ou a forma de devolução.

Zona Franca de Manaus

É mantida a Zona Franca de Manaus pelo prazo previsto na Constituição. Atualmente esse prazo é 2073.

Simples Nacional

Como esperado, é mantido o Simples Nacional, voltado a micro, pequenas e médias empresas.

Combustíveis e lubrificantes

Os produtos, de acordo com o texto apresentado nesta quinta-feira, estão sujeitos a um regime monofásico do IBS. Isso significa que a empresa que está no começo da cadeia será responsável pelo pagamento antecipado do imposto, em nome das demais empresas.

O texto ainda prevê que nessas situações as alíquotas serão uniformes em todo território nacional, “podendo ser específicas, por unidade de medida, e diferenciadas por produto”. Ainda, poderão ser concedidos créditos na aquisição desses produtos, “desde que não destinados à comercialização”.

A sistemática era uma reivindicação do setor e auxilia na redução da sonegação. Isso porque deixa nas mãos de poucas empresas o recolhimento do tributo, que será repassado ao resto da cadeia por meio do preço.

Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos:
Estes setores poderão ter regimes diferenciados de recolhimento da CBS e do IBS. Poderá haver a eles, conforme disposição em lei complementar, alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo dos tributos. Ainda, a cobrança tributária poderá ser feita com base na receita ou no faturamento.

Conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços

Será composto pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, sem a participação da União. O conselho terá, entre outras, a função de editar normas infralegais relacionadas ao IBS, uniformizar a interpretação e arrecadar o imposto.

Entendemos que esta previsão é importante e não estava prevista no relatório anterior da comissão mista. Sem o conselho federativo não é possível adotar o IVA compartilhado, principalmente para integrar os municípios no IBS.

Reforma da tributação sobre a renda e folha de salários

O texto prevê que, após a aprovação da reforma sobre o consumo, o Executivo terá até 180 dias para enviar ao Congresso uma proposta de reforma da tributação sobre a renda.

Ainda, eventual aumento de arrecadação decorrente da reforma da renda “poderá ser considerada como fonte de compensação para redução da tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços”.

Dr. Júlio N. Nogueira
Advogado
OAB/BA 14.470