Pacote Fiscal 2023 e o Voto de Qualidade no CARF.

Pacote Fiscal 2023 e o Voto de Qualidade no CARF.

Dentro do pacote fiscal apresentado pelo novo Ministro da Economia foi publicada a Medida Provisória 1.160, de 12 de janeiro de 2023. Ela trouxe de volta um ponto muito combatido pelos contribuintes e advogados que é o retorno do voto de qualidade no CARF.

O que é o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais)?

É um tribunal administrativo que julga em 2ª instância os autos de infração da Receita Federal.

É composto por vários órgãos colegiados chamados de Turmas. Em cada Turma há 04 conselheiros/julgadores representando os contribuintes e 04 conselheiros/julgadores (auditores fiscais) representando a Receita Federal, ou seja, mesma quantidade para os contribuinte e fisco. Por sua vez, a presidência de cada Turma é ocupada exclusivamente por um representante da Receita Federal dentre os 4 daquela turma.

O que é o voto de qualidade?

O voto de qualidade é o mecanismo previsto na lei para que o Presidente da Turma, sempre representante do fisco, tenha 1 voto que valha por 2.

Na prática representa o seguinte: nas decisões empatadas, ele vota como conselheiro/julgador (4 X 4). Com o voto de qualidade, na condição de Presidente da Turma, ele vota novamente para desempatar (5 X 4). Desta forma, na dúvida do empate, o Fisco sempre ganha (in dubio pro fisco).

O voto de qualidade retira a paridade entre o fisco e os contribuintes e representa uma forma da Receita Federal driblar a lei, obtendo uma vantagem numérica de votos no CARF. Isto contraia de forma explícita o princípio do in dubio pro reo (na dúvida o réu/contribuinte ganha), previsto no art. 112 do Código Tributário Nacional (CTN).

O que aconteceu com o voto de qualidade?

Até 2019 existia o voto de qualidade nos julgamentos do CARF. Entretanto, o Poder Judiciário passou a anular com mais frequência as decisões que tinham sido definidas contando com o voto de qualidade. O Governo então propôs uma reformulação do mecanismo e a sua quase extinção em 2020, através da Lei 13.988/2020.

Não satisfeitos com essa posição, o Sindicato dos Fiscais e alguns partidos políticos levaram o tema para o STF (ADIs n. 6.399, 6.403 e 6.415), questionando que o fim do voto de qualidade seria inconstitucional. O placar já estava 5 X 1 a favor dos contribuintes pela constitucionalidade da extinção do voto de qualidade no CARF e o sepultamento desse instrumento antidemocrático. O julgamento no STF foi interrompido em 2022 por pedido de vistas do Min. Nunes Marques.

Em 12 de janeiro de 2023, a Medida Provisória nº 1.160 pretende retomar o voto de qualidade das sombras, igual ao vilão Dart Vader, no Retorno de Jedi (Star Wars), trazendo com ele todo o seu viés dominador, autoritário e antidemocrático.

Infelizmente, a maioria das contribuintes (pessoas físicas e jurídicas) não está a par do que isto representa e acha que isso não poderá atingi-los. Infelizmente lamento informar: o retorno do voto de qualidade no CARF em algum momento pode sim te prejudicar e muito.

Como o voto de qualidade pode prejudicar o contribuinte?

Veja um exemplo real para o contribuinte Pessoa Física:

José trabalhava na matriz da empresa Kasa.

A empresa Kasa, por engano, informou para a Receita Federal (RFB) na DIRF que ele trabalhava para uma filial sua e não para a matriz da empresa.

A RFB então entendeu que o contribuinte José estava prestando uma informação divergente na sua declaração do Imposto de Renda.

José mudou de residência e a RFB não conseguiu localizá-lo para solicitar dele informações sobre essa divergência.

Então, a RFB apresentou um auto de infração para José por divergência no seu imposto de renda.

José, sem advogado, elaborou sua defesa, mas não apresentou todos os documentos que a RFB entendia como necessários.

José perdeu na 1ª instância administrativa.

Contratou advogado e recorreu para o CARF (2ª instância administrativa).

No julgamento no CARF houve empate (4×4) para admitir que os documentos necessários para provar sua inocência pudessem ser juntados na fase de recurso.

Isto aconteceu em 2020. Prevaleceu o entendimento que o empate beneficiou José.
José ganhou a causa.

Se esse julgamento tivesse acontecido antes de 2019, ou depois do dia 12/01/2023, o empate iria beneficiar o Fisco porque com o voto de qualidade o placar passaria a ser 5×4 para o fisco.

José perderia a causa.

Conclusão

Em razão de tudo isso, entendemos que é inadequada, com total desvio de finalidade e até mesmo má-fé, a publicação da MP nº 1.160, de 12 de janeiro de 2023, pois, busca, por via indireta, também impedir que o STF conclua o julgamento das 3 ADI’s com discussão já iniciada sobre a matéria e com o placar amplamente favorável para os contribuintes (5 X 1), aguardando apenas o retorno da discussão pelo Plenário para sua conclusão.

A OAB e mais 13 entidades como a FIESP, e, também, uma Frente Parlamentar que conta com 214 Deputados e Senadores já se manifestaram publicamente contra essa medida.

Após isso, o Senado Federal abriu uma Consulta Pública para que todo cidadão possa dar sua opinião: se é contra ou a favor da Medida Provisória nº 1.160/2013, ou seja, ao retorno do voto de qualidade.

Como demonstrado, este assunto interessa muito a todos os contribuintes.

Este é o link para a Consulta Pública 👇👇👇

https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=155690

Exerça sua cidadania, votando contra essa medida com o nítido viés dominador, autoritário e antidemocrático.

Vote o quanto antes, se possível, agora! Não podemos deixar isto passar.

Júlio N. Nogueira – OAB/BA 14.470