O Novo Horizonte do Regime Especial de Tributação (RET) no Mercado Imobiliário

O mercado imobiliário brasileiro tem experimentado significativas transformações legais, e uma das mais recentes ocorreu em junho de 2022 com a entrada em vigor da Lei 14.382. Esta modificou a perspectiva de loteamentos vinculados contratualmente a projetos de construção, permitindo-lhes, pela primeira vez, serem considerados como incorporações imobiliárias no contexto do Regime Especial de Tributação (RET) definido pela Lei 10.931/2004.

Contextualização Histórica:

Antes dessa alteração legislativa, apesar de nosso extenso tratamento sobre o RET em edições anteriores, loteamentos não eram enquadrados como incorporações imobiliárias, impedindo-os de usufruir do RET. Esta realidade só mudou efetivamente a partir de 28 de junho de 2022.

O cenário foi ampliado e solidificado quando, em fevereiro de 2023, a Solução de Consulta COSIT nº 24 foi publicada pelo setor de Tributação da Receita Federal, adicionando novos contornos à discussão.

Entendendo o Loteamento:

Para compreender as implicações dessa mudança, é vital conceituar “loteamento”. Em zonas urbanas, é essencialmente a subdivisão de uma propriedade, e conforme a Lei 6.766/79, essa subdivisão pode ser realizada através de loteamento ou desmembramento. Nosso foco aqui reside no loteamento, que refere-se à subdivisão de uma gleba em lotes com a finalidade de edificação, o que pode incluir a criação ou ampliação de vias públicas.

A criação da Lei 6.766/79 foi uma resposta ao crescimento desordenado de loteamentos irregulares e invasões, impulsionados pela crescente demanda habitacional nas metrópoles brasileiras. Hoje, o cenário exige que loteamentos atendam a critérios urbanísticos rigorosos, garantindo melhor organização e planejamento urbano.

A Incorporação Imobiliária e a Lei 14.382/2022:

Com a Lei 14.382/2022, os loteamentos ligados à construção residencial foram reconhecidos como incorporações imobiliárias. Esta foi uma reinterpretação do artigo 68 da Lei 4.591/1964, proporcionando clareza na definição de loteamentos como incorporações imobiliárias, com todas as implicações legais associadas.

RET e Patrimônio de Afetação:

O RET, conforme estabelecido na Lei 10.931/2004, é uma ferramenta que consente a unificação do pagamento de tributos federais, a uma alíquota determinada, sobre as receitas mensais de incorporadores. Para aproveitar este regime, os incorporadores devem estabelecer um “patrimônio de afetação”, um instrumento que garante que um imóvel específico seja isolado do restante do patrimônio do incorporador e seja destinado exclusivamente ao projeto em questão.

A Incorporação Imobiliária em Loteamentos sob a Ótica da Solução de Consulta COSIT nº 24

O cenário tributário brasileiro é conhecido por sua complexidade e pelas frequentes mudanças, gerando insegurança jurídica aos contribuintes. Contudo, a publicação da Lei 14.382/2022 trouxe alterações significativas na Lei 4.591/1964, sobretudo no artigo 68. Esta alteração visava esclarecer a adoção do Regime Especial de Tributação (RET) para loteamentos. Mas foi realmente suficiente para dirimir as controvérsias?

5.1. O Pronunciamento da Receita Federal

Com a expectativa voltada ao posicionamento do Fisco, a publicação da Solução de Consulta COSIT nº 24 trouxe uma luz ao debate. Este documento esclareceu que, a partir de 28 de junho de 2022, o loteamento pode ser considerado como incorporação imobiliária para fins de adesão ao RET, desde que cumpra determinados requisitos, como a construção de casas isoladas ou geminadas.

Esta solução fez referência à anterior Solução de Consulta COSIT nº 196, de 2015, que, em contraste, limitava a adoção do RET apenas a incorporações imobiliárias, excluindo loteamentos.

5.2. Restrições Remanescentes ao RET em Loteamentos

Apesar das clarificações, é prudente notar que restrições ainda se aplicam ao RET para loteamentos. A nova redação da Lei 4.591/1964 vincula o reconhecimento de loteamento como incorporação imobiliária à construção de casas isoladas ou geminadas. Assim, a venda de lotes sem essa vinculação, sob a interpretação do Fisco, não se enquadra no RET.

5.3. O Debate Doutrinário e o Condomínio de Lotes

A discussão se amplia quando entramos no campo dos condomínios de lotes. Com a Lei 14.382/2022, há indicações de que o regime jurídico da incorporação imobiliária se aplica a este tipo de empreendimento. O questionamento que se levanta é: poderia o RET ser estendido aos condomínios de lotes, mesmo sem uma menção explícita na lei?

5.4. Perspectivas e Impactos no Mercado Imobiliário

Em 2020, a demanda por loteamentos cresceu significativamente, motivada pelas mudanças no estilo de vida durante a pandemia de Covid-19. Nesse contexto de expansão, a Lei 14.382/2022 surge como um marco legal importante, propondo desburocratização e estímulos ao mercado imobiliário. A adoção expressa do RET para loteamentos vinculados à construção de casas tem potencial para gerar mais empregos, incentivar a construção e atender a crescente demanda por moradias.

Conclusão

O reconhecimento de loteamentos como incorporações imobiliárias, para fins de adoção do RET, é um avanço significativo, porém, com ressalvas. Contribuintes devem seguir um roteiro estrito para se beneficiar do regime. Ainda assim, a medida representa um estímulo tributário ao setor e promete aquecer o mercado imobiliário, trazendo novas oportunidades e desafios à mesa.

Embora a Solução de Consulta COSIT nº 24 tenha trazido clarificações importantes, a interpretação e aplicação da lei, como em muitos aspectos do direito tributário brasileiro, continuam sendo terrenos férteis para debates e controvérsias.

Dr. Júlio N. Nogueira
Advogado
OAB/BA 14.470