O Imposto Seletivo e a Reforma Tributária

A reforma tributária no Brasil tem gerado debate e expectativas nos últimos anos. Entre as mudanças propostas, destaca-se a introdução do Imposto Seletivo, uma inovação no sistema tributário brasileiro. Neste artigo, exploraremos o Imposto Seletivo e alguns dos seus aspectos mais relevantes.

O Que é o Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo é um tributo criado como parte da reforma tributária, com o objetivo específico de desencorajar o consumo de determinados bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, influenciando os padrões de consumo da população. Diferentemente de impostos como o ICMS e o IPI, que incidem sobre uma ampla gama de produtos, o Imposto Seletivo é discriminatório, sendo aplicado apenas a determinados itens.

A sua incidência não está relacionada à essencialidade dos produtos, como ocorre com outros impostos sobre o consumo, mas sim à sua nocividade. Isso significa que produtos considerados prejudiciais, como tabaco, bebidas alcoólicas e determinados combustíveis, estão sujeitos a uma tributação mais elevada, com o intuito de reduzir o seu consumo e os impactos negativos associados a eles.

O Imposto Seletivo pode ser visto como uma ferramenta de política pública para lidar com questões de saúde pública e proteção ambiental, ao mesmo tempo em que busca garantir uma fonte de receita para o governo. Sua cobrança pode ser fundamentada em três objetivos principais: arrecadar receitas de forma estratégica, refletir os custos externos gerados por determinados comportamentos e desestimular o consumo prejudicial.

Ao contrário de outros tributos, o Imposto Seletivo não visa apenas à arrecadação de recursos para o Estado, mas também à promoção de comportamentos mais saudáveis e sustentáveis na sociedade. Isso o torna uma ferramenta importante no contexto da reforma tributária, que busca não apenas simplificar o sistema de impostos, mas também promover o bem-estar e a sustentabilidade.

A Extrafiscalidade do Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo, como parte da reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional 132/2023, é intrinsecamente extrafiscal em sua natureza e propósito. Enquanto outros impostos têm como objetivo principal a arrecadação de recursos para o Estado, o Imposto Seletivo é projetado para desencorajar o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, influenciando os comportamentos dos consumidores.

A extrafiscalidade do Imposto Seletivo é evidente em sua formulação constitucional e em sua finalidade específica de incidir sobre produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

Diferentemente de impostos comuns, como o imposto sobre a renda, o Imposto Seletivo não é aplicado indiscriminadamente, mas sim direcionado a itens específicos que representam uma ameaça à saúde pública ou ao equilíbrio ambiental.

A tributação especial do consumo, à qual o Imposto Seletivo pertence, tem sido cada vez mais utilizada internacionalmente como uma ferramenta para influenciar o comportamento dos consumidores em relação a produtos considerados prejudiciais. O reconhecimento da necessidade de desencorajar atividades socialmente prejudiciais remonta a teóricos como Arthur Cecil Pigou e é amplamente aceito na literatura econômica e política.

No contexto brasileiro, a instituição do Imposto Seletivo está alinhada com as boas práticas de governança pública, exigindo uma análise ex ante detalhada e uma avaliação ex post periódica. Antes de sua implementação, é necessário realizar uma análise rigorosa do problema público que se pretende enfrentar, bem como do potencial impacto da tributação sobre o comportamento dos consumidores. Após a instituição do imposto, é essencial monitorar continuamente seus efeitos e ajustar sua aplicação conforme necessário para garantir que ele permaneça alinhado aos seus objetivos extrafiscais.

Dessa forma, o Imposto Seletivo representa uma evolução na política tributária brasileira, alinhando-se às tendências internacionais de utilizar a tributação como uma ferramenta para promover um consumo mais consciente e sustentável. Sua eficácia, no entanto, está diretamente ligada à adesão estrita às práticas de governança pública, garantindo que sua aplicação seja direcionada de forma efetiva para mitigar o consumo de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Imposto Seletivo e Alimentação: Priorizando a Saúde Pública

O Imposto Seletivo, tradicionalmente associado às bebidas alcoólicas e aos produtos de tabaco, surge como uma ferramenta essencial na promoção da saúde pública quando aplicado ao setor alimentício.

Há uma crescente preocupação com os impactos negativos dos alimentos ultraprocessados na saúde da população, a tributação seletiva sobre esses produtos surge como uma medida crucial para desencorajar seu consumo e mitigar os riscos de doenças crônicas não transmissíveis.

A expansão global do consumo de alimentos ultraprocessados representa uma ameaça significativa à saúde pública, com uma parcela substancial das calorias disponíveis para consumo sendo proveniente desses produtos. A definição de ultraprocessados pela classificação NOVA abrange uma ampla gama de alimentos industrializados, caracterizados pela presença de aditivos e processamentos que os afastam de sua forma natural e saudável.

Numerosos estudos científicos têm demonstrado a relação entre dietas baseadas em alimentos ultraprocessados e o aumento do risco de doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e outras condições de saúde adversas. Diante desse cenário preocupante, a implementação de um imposto seletivo sobre esses produtos não apenas desestimula seu consumo, mas também contribui para a proteção da saúde pública e a redução dos custos associados ao tratamento de doenças relacionadas à má alimentação.

A experiência da Colômbia, que recentemente instituiu o imposto seletivo sobre os produtos ultraprocessados, serve como exemplo inspirador para o Brasil. A decisão da Corte Constitucional colombiana em reconhecer a constitucionalidade da tributação seletiva de bebidas açucaradas destaca a importância de tais medidas na promoção da saúde pública e na proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

No contexto brasileiro, a inclusão do imposto seletivo sobre os produtos ultraprocessados na reforma tributária é uma necessidade urgente.

A influência dos interesses econômicos não pode prevalecer sobre a saúde pública, e cabe aos legisladores e ao governo federal garantir o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o bem-estar da população.

Em última análise, a tributação seletiva sobre alimentos ultraprocessados não apenas contribui para a prevenção de doenças e a promoção da saúde, mas também representa um passo crucial na garantia do direito à alimentação e nutrição adequadas para todos os brasileiros.

O Imposto Seletivo na Extração e as Exportações

O debate sobre a aplicação do Imposto Seletivo (IS) na extração e suas implicações nas exportações tem feito parte de intensas discussões e análises no contexto da reforma tributária brasileira.

Uma questão central levantada é o significado da expressão “independentemente da destinação” e seu impacto na cobrança do IS nas exportações de produtos extraídos.

Inicialmente, houve interpretações que sugeriam que a inclusão dessa expressão no texto constitucional poderia possibilitar a cobrança do imposto nas exportações de produtos extraídos. No entanto, após debates acadêmicos e análises mais aprofundadas, essa interpretação foi intensamente contestada.

A desoneração das exportações foi um dos pilares da reforma tributária, com o objetivo de aumentar a competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional.

A Emenda Constitucional 132/2023 aprovada estabeleceu claramente a vedação da incidência de tributos sobre o consumo, incluindo o Imposto Seletivo (IS), nas exportações.

A interpretação do texto constitucional à luz dos princípios da interpretação constitucional, da técnica legislativa e da harmonização entre normas constitucionais, sugere que a expressão “independentemente da destinação” se refere ao uso ou finalidade do produto extraído, e não ao destino físico do produto. Portanto, a cobrança do IS na exportação de produtos extraídos não está prevista nem deve ser inferida a partir dessa expressão.

Além disso, a análise das emendas que embasaram a inclusão do IS na extração reforça a interpretação de que a cobrança do imposto nas exportações não era a intenção legislativa original. As emendas tinham o propósito de viabilizar a cobrança do chamado “carbon tax” no Brasil e não mencionavam a possibilidade de incidência do IS nas exportações.

Diante disso, conclui-se que a expressão “independentemente da destinação” não autoriza a cobrança do IS nas exportações de produtos extraídos, e que a vedação da incidência do imposto nas exportações permanece inalterada e deve ser respeitada de acordo com a interpretação constitucional adequada.

Conclusão

A introdução do Imposto Seletivo como parte da reforma tributária brasileira representa uma mudança significativa no sistema tributário do país, com o objetivo de desencorajar o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Este tributo se destaca por sua natureza discriminatória, aplicando-se apenas a determinados bens e serviços considerados nocivos.

A extrafiscalidade do Imposto Seletivo é evidente em sua formulação constitucional e em sua finalidade específica de desencorajar o consumo de produtos prejudiciais. Sua aplicação requer uma análise cuidadosa dos problemas públicos que visa enfrentar, bem como uma avaliação contínua de seus impactos para garantir que permaneça alinhado a seus objetivos extrafiscais.

No contexto das exportações e da extração de produtos, a interpretação constitucional adequada sugere que a vedação da incidência do imposto sobre as exportações permanece inalterada, não sendo autorizada pela expressão “independentemente da destinação” a cobrança do IS sobre produtos extraídos destinados à exportação.

Assim, a inclusão do Imposto Seletivo na reforma tributária brasileira representa um avanço na promoção de comportamentos mais saudáveis e sustentáveis na sociedade, garantindo uma fonte de receita para o governo ao mesmo tempo em que protege a saúde pública e o meio ambiente.

A implementação eficaz deste imposto requer não apenas uma estruturação técnica adequada, mas também um compromisso contínuo com a governança pública para garantir sua efetividade e alinhamento com os objetivos sociais e ambientais mais amplos.

Dr. Júlio N. Nogueira
Advogado
OAB/BA 14.470