A Reforma Tributária e o Contencioso Administrativo Tributário: Os Desafios da Concentração Excessiva de Poderes pela Receita Federal e Conselho Federativo na CBS e IBS

Reforma Tributária, com a aprovação da PEC 45/2019, introduziu importantes mudanças no sistema tributário brasileiro, criando a CBS, sob responsabilidade da Receita Federal, e o IBS, administrado pelo Conselho Federativo. Contudo, ao analisar a estrutura e competências desses órgãos, é possível perceber um risco latente de repetição dos problemas que levaram à formação de um gigante contencioso tributário administrativo federal. A concentração excessiva de poderes na Receita Federal e no Conselho Federativo pode ser um obstáculo para alcançar a simplicidade, transparência, neutralidade e equidade almejadas na Reforma.

O Tamanho do Contencioso Administrativo Tributário Federal no Brasil

O contencioso administrativo tributário no Brasil tem se mostrado um desafio complexo, com um alto volume de disputas entre a Receita Federal do Brasil (RFB) e os contribuintes.

Neste artigo, examinaremos o tamanho do contencioso administrativo federal brasileiro e suas consequências, bem como a importância de repartir competências administrativas e atribuições de poder complementar legislativo, normativo e julgador para a área tributária, a fim de fortalecer os princípios democráticos e alcançar os princípios norteadores da Reforma Tributária.

De acordo com pesquisas e estudos realizados, o contencioso administrativo tributário no Brasil é uma realidade preocupante, com um alto número de disputas em tramitação.

Segundo dados levantados pelo Núcleo de Pesquisas em Tributação do INSPER, ao menos R$ 5,4 trilhões em cobrança de tributos eram alvos de disputa em processos judiciais e administrativos no Brasil em 2019. A cifra representa mais do que o dobro da arrecadação total dos entes federativos no mesmo ano. Se comparado ao PIB (Produto Interno Bruto) daquele ano, a soma de todos os bens e serviços finais produzidos, o valor do contencioso tributário no Brasil corresponde a 75% do PIB do Brasil.

Os pesquisadores definiram como contencioso tributário o conjunto de créditos em disputa em processos judiciais e administrativos – créditos tributários são os pagamentos de tributos cobrados por União, estados ou municípios de uma empresa ou pessoas físicas, por exemplo.

Na verdade os R$ 5,4 trilhões retratam só uma parcela do contencioso, pois nem todos os dados sobre o tema estavam disponíveis para consulta pública – grande parte dos números dos entes subnacionais que compõem o relatório foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Além disso, a amostra não inclui processos nos quais contribuintes buscam deixar de pagar algum tributo ou reaver o que já foi pago –os valores destes casos são considerados de difícil mensuração e imensamente superior.

Na primeira edição da pesquisa, que se concentrou em 2018, o contencioso chegava a R$ 4,98 trilhões, o equivalente a 73% do PIB daquele ano. A quantia, entretanto, não pode ser comparada à do novo relatório, pois houve a ampliação da quantidade de estados e municípios observados. Só as fontes e as bases de valores da União são as mesmas.

Sozinha, a União, que é a principal responsável pela cobrança de tributos no país, responde por cerca de 70% do estoque de contencioso tributário de processos administrativos e em tramitação na Justiça. [Contencioso administrativo tributário federal – Uma análise comparativa entre Brasil e sete países]

Comparativo com Países da OCDE e América Latina

Quando comparado a países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outras nações desenvolvidas, o contencioso administrativo tributário no Brasil mostra-se desproporcionalmente maior.

Na edição da Pesquisa do INSPER de 2020 o contencioso tributário brasileiro foi de 75% do PIB, enquanto a média do contencioso administrativo para países da OCDE era de 0,28% do PIB e para um grupo de países da América Latina era de 0,19% do PIB.[Pesquisa mapeou principais causas para o elevado contencioso judicial tributário]

A estrutura de repartição de competências administrativas e atribuições relacionadas à área tributária nesses países tende a ser mais descentralizada e equilibrada. Isso cria uma dinâmica de “pesos e contrapesos” (checks and balances) entre os órgãos de estado, contribuindo para a redução de disputas e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

A Concentração Excessiva de Competências

CBS, como tributo federal, está sob a alçada da Receita Federal do Brasil. Com a atribuição de editar normas infralegais, poder normativo, uniformização e interpretação e aplicação da legislação, arrecadação e fiscalização, a Receita Federal acumula um poder considerável no contexto tributário brasileiro. Entretanto, tal concentração pode acarretar em excesso de burocracia, rigidez e, consequentemente, em maior contencioso tributário.

Por sua vez, o Conselho Federativo do IBS, órgão responsável pela gestão do IBS em âmbito nacional, possui competências semelhantes às da Receita Federal, com a edição de normas infralegais e poder normativo. Além disso, o Conselho é responsável por coordenar e integrar as atividades de fiscalização, lançamento, cobrança e representação administrativa ou judicial do imposto nos Estados, Distrito Federal e Municípios. Essa concentração de poderes pode levar à criação de um imenso contencioso tributário subnacional.

Impactos no Contencioso Administrativo Tributário

A existência de órgãos com poderes tão abrangentes, tanto na esfera federal quanto na estadual, tende a inflar o contencioso tributário em ambas as esferas. A falta de uma repartição adequada de competências pode gerar interpretações divergentes da legislação tributária e abrir espaço para disputas judiciais em grande escala. Isso pode comprometer a efetividade da Reforma Tributária e prejudicar a tão almejada simplificação do sistema.

A Necessidade de Repartição de Competências

Para evitar a repetição dos problemas enfrentados atualmente e garantir uma Reforma Tributária eficiente, é imprescindível uma repartição adequada de competências entre a Receita Federal, o Conselho Federativo e outros órgãos de estado que iriam exercer parte da atribuição que hoje é daqueles. A criação de estruturas superpoderosas que se envolvem em vários aspectos do contencioso tributário administrativo, sem uma limitação clara para algumas das funções e não para todas pode levar a conflitos de interpretação, disputas de competências e aumentar o contencioso tributário em níveis preocupantes.

Repartição de Competências para Fortalecer a simplicidade, transparência, neutralidade e equidade na Reforma Tributária

Reforma Tributária representa uma oportunidade para repensar a estrutura do sistema tributário brasileiro e fortalecer princípios fundamentais, como a simplicidade, transparência, neutralidade e equidade. Para alcançar esses objetivos, é crucial realizar uma adequada repartição de competências entre a Receita Federal e o Conselho Federativo, garantindo uma gestão eficiente e coordenada dos impostos. Vamos analisar como a distribuição adequada de poderes pode contribuir para cada um desses princípios:

Simplicidade

A simplicidade é um princípio-chave para tornar o sistema tributário mais acessível aos contribuintes e facilitar o cumprimento de suas obrigações fiscais. Com a criação da CBS e do IBS, a complexidade tributária pode ser reduzida ao unificar diversos tributos em um único imposto. No entanto, é fundamental evitar que a concentração excessiva de competências em órgãos como a Receita Federal e o Conselho Federativo gere regras, as interprete e depois as julgue. Isso cria um conflito de interesses que contraria as normas de compliance tende a desembocar no aumento do contencioso administrativo e na burocracia excessiva. Ao estabelecer uma clara repartição de competências entre essas instituições e outras que possam herdar parte delas, é possível garantir a inexistência de conflitos de interesses, um sistema mais simples e de fácil compreensão.

Transparência

A transparência é essencial para construir a confiança dos contribuintes no sistema tributário e garantir a prestação de contas por parte dos órgãos responsáveis. Ao dividir as atribuições da Receita Federal e do Conselho Federativo de forma clara e transparente, é possível uma fiscalização mais efetiva e uma maior participação da sociedade na gestão dos impostos, promovendo a prestação de contas (accountability) dos órgãos responsáveis.

Neutralidade

A neutralidade é um princípio importante para garantir que o sistema tributário não distorça as decisões econômicas dos contribuintes. Com uma repartição adequada de competências entre a Receita Federal, o Conselho Federativo e outros órgãos de estado, é possível evitar que a concentração excessiva de poderes em uma única instituição resulte em políticas tributárias enviesadas ou direcionadas a interesses específicos. A neutralidade pode ser preservada evitando a criação de regimes tributários especiais que beneficiem certos setores em detrimento de outros.

Equidade

A equidade é um princípio fundamental para garantir que o ônus tributário seja distribuído de forma justa e proporcional entre os contribuintes. Com a criação da CBS e do IBS, é possível avançar na busca por uma tributação mais equitativa, eliminando distorções e privilegiando a eficiência econômica. Contudo, para garantir a equidade na prática, é necessário assegurar uma repartição de competências que permita que a fiscalização seja eficiente. A atuação conjunta, porém independente seja por agências ou outras instituições de estado é essencial para garantir que todos os contribuintes cumpram suas obrigações fiscais de forma justa.

Conclusão

A Reforma Tributária representa uma oportunidade histórica de aprimorar o sistema tributário brasileiro. Contudo, é essencial aprender com os erros do passado e evitar a concentração excessiva de competências tanto na Receita Federal quanto no Conselho Federativo. A repartição adequada de parte do poder delas para outros órgãos de estado é salutar e necessário para fortalecer a simplicidade, transparência, neutralidade e equidade do sistema tributário, evitando a proliferação de um contencioso tributário estratosférico como já vivemos hoje. Sem essas alterações o fantasma do estratosférico contencioso administrativo tributário voltará a nos assombrar em breve. Quem morrer não verá!!!

Dr. Júlio N. Nogueira
Advogado
OAB/BA 14.470